Vista do Interior

Nasci na aldeia de Alvarães (Viana do Castelo, Portugal), em 1961. Formei-me em Arquitetura entre a Escola Superior de Belas Artes e a Universidade do Porto (UP). Sou arquiteto e professor na Faculdade de Arquitetura da UP, onde leciono no ateliê de projeto do 3.º ano. A minha investigação centra-se nos dispositivos espaciais da casa, na relação entre cultura e formas de habitar, nos programas de habitação pública e, atualmente, no desenvolvimento de uma abordagem à "arquitetura inclusiva" que abrange temas como o envelhecimento e a sustentabilidade.

1

Neste enquadramento, quando penso em fotografia, inevitavelmente penso como um fotógrafo-arquiteto. Não porque a arquitetura constitua o ponto de partida ou o tema do meu trabalho fotográfico, mas porque não posso escapar à minha formação e atividade como arquiteto, que moldam a minha forma de pensar, olhar e trabalhar. Por outro lado, outras artes entrelaçam-se com o meu trabalho fotográfico, como a pintura, o desenho, a escrita ou a música – numa espécie de corrente de consciência – marcando uma fragmentariedade de onde sobressai a experimentação com diversos tipos de imagem. Também esta formação me predispõe a uma certa forma de olhar a obra e a escrita de outros fotógrafos. Trata-se não apenas de estudar a voz dos outros, isto é, a sua técnica, mas, sobretudo, de refletir sobre a minha própria voz e, especialmente, sobre qual é a minha voz entre a voz dos outros. Por isso, a escrita ganha um espaço relevante... ler e escrever tornam-se indissociáveis do próprio fazer fotográfico.

Poder-se-á dizer que esta forma de aproximação à fotografia é marcada por um viés académico, que sendo inescapável, é também formadora do meu trabalho. Certamente, constitui também uma limitação! Mas não serei capaz, como diz Guido Guidi, de deixar de olhar pelo viewfinder, de renunciar ao controlo da organização da imagem, de permitir que a fotografia se realize antes que a imagem seja apreendida por um pensamento excessivamente estruturado e retórico[1]. Alicia-me esta ideia – a de uma velocidade necessária de execução, centrada no essencial –, mas procuro balanceá-la com o argumento de Luigi Ghiri, para quem a fotografia deve conter a possibilidade de esclarecer dos seus próprios processos de formação.

2

Neste ponto de partida, interessa-me a fotografia enquanto série, sequência ou conjunto, que aproxima uma imagem de outra como um processo de formação e passagem de sentidos. Este processo inicia um conhecimento, por exemplo, juntando duas imagens, que procura alargar as hipóteses significativas para além daquelas que cada uma das imagens carrega. Esta circulação de significados examina o facto de a fotografia ser uma representação mediada e subjetiva, que só em cada um de nós, perante a imagem, adquire sentido.

Assim, quando se colocam lado a lado duas fotografias, ou quando fotografia e música se intrometem, inicia-se o processo fotográfico de uma ideia, que orienta os passos seguintes na elaboração, definição e redefinição do trabalho fotográfico. Posso dizer que não me interessa uma fotografia isolada, mas o conjunto a que ela pertence – uma sucessão de trabalhos que se justapõem e interferem entre si[2], no tempo longo de uma obra que procura "realizar as suas próprias potencialidades dentro das suas próprias limitações"[3].

3

Por isso, interessa-me o que se convencionou chamar de fotografia banal, precisamente pela sua possibilidade de se abrir ao reconto (voltar a narrar) e à deslocação de significados. A fotografia banal – que se afasta da beleza singular que cativa e sufoca – não é interessante em si mesma e, de certa forma, também não é minha, mas um campo fértil de todos. É nesse sentido que ela pode falar de algo mais amplo do que aquilo que enquadra[4].

É esta característica que conduz a existência de camadas de significado no meu trabalho, abrindo passagens entre elas como hipóteses de clarificação do que estou a fazer. Mas, no final, considero a fotografia um meio autónomo, uma linguagem própria para olhar, que, para ser validada, precisa de munir o espectador da compreensão das engrenagens próprias do funcionamento da imagem.[5] Ou seja, os processos e contextos de trabalho devem ser tomados como laterais à imagem, talvez meros suportes para a construção de uma fotografia, de um argumento, ou para a leitura crítica, mas que ficam à porta quando entramos numa fotografia[6].

4

O meu processo fotográfico é lento, desenrolando-se em momentos diversos e, por vezes, distante no tempo. O trabalho não se organiza de forma linear, mas em sobreposições e desdobramentos, num vaivém entre tentativas e a sua verificação. Por exemplo, depois de fotografar, recorro ao desenho e à escrita, à construção de painéis com imagens fotocopiadas e à impressão fotográfica em diferentes escalas, densidades e tipos de papel, para interrogar as fotografias produzidas – como se construíram? Ou, como se aproximam? – e confrontá-las com o desassossego com que a vida me atravessa.

Esta forma de trabalhar, em parte, decorre da minha antiga rotina de guardar e justapor objetos materiais e imateriais que, mais tarde, espero poderem surpreender-me. Aqui, ganha particular importância o constante regresso ao trabalho fotográfico já realizado, para o voltar a olhar e reconstruir. Em especial, o regresso ao arquivo fotográfico, onde encontro, em imagens outrora abandonadas ou consideradas falhadas, indícios de outros entendimentos, que abrem novas inquirições sobre os trabalhos em curso e dão espaço outros que ainda hão de vir.

5

Estes processos permitem-me questionar o papel convencional da memória no do âmbito da imagem e do projeto fotográfico. Poderá a fotografia ser redutível a um objeto de memória?[7]

A fotografia que faço é um artefacto que não procura representar nada para além da minha própria relação com a realidade[8] – por isto, está mais próxima da abstração do que de um determinado programa. Não tem, nesse sentido, nada a dizer quando a imagem nos mostra o chão, o céu, um caminho ou uma árvore... No entanto, aquilo que pode oferecer maior interesse nesta posição, enquanto forma de envolvimento contínuo da fotografia com o contexto do visível, reside precisamente no que é contingentemente excluído da possibilidade de ser visto e representado[9].

Porto, 6 de Julho de 2025


[1] Antonello Frongia, 2024, "Figure and Ground: Guido Guide's Photographic Trajectory, in S. Antonacci, P. Ciorra, A. Frongia (eds.), Col tempo, 1956-2024, MAXXXI, p. 380, 382.

[2] Bas Princen refere a aproximação conceptual de Luigi Ghirri: "a reproduced image is only meant to evoke another image in your mind."

Bas Princen, Stefano, Graziani, Victoria Adona, 2024, The life of Documents – Photography as Project, CCA, Verlag der Buchhandlung Walther und Franz König, p.111.

Também Jean-Luc Godard, no filme Éloge de l'amour, (2001), refere a mesma ideia ao afirmar: "Eu penso numa coisa. Quando penso em alguma coisa de facto, estou a pensar noutra coisa. Sempre! Só é possível pensar nalguma coisa se penso noutra coisa. Por exemplo: vejo uma paisagem nova para mim, mas é nova para mim porque a comparo mentalmente com outra paisagem, uma mais antiga, uma que conheci."

[3] T. S. Eliot, 1992 (1945), "O que é um clássico?", in Maria Adelaide Ramos (ed.), Ensaios Escolhidos, Lisboa, Cotovia, p. 131-132.

[4] John Coplans, 2021 (1988), "Vue de l'intérieur", in Jean-François Chevrier, John Coplans - Un corps. Suivi d'une anthologie de textes de John Coplans, Le Point du Jour, p. 209-212.

[5] Ao analisar o projeto Atlante (Luigi Ghirri, 1973) Bas Princen salienta a importância deste aspeto: "they must equip the viewer with an understanding of how an image works."

Bas Princen, op. cit., p.294.

Luigi Ghirri, 2021, "The Open Work (1984)", in Luigi Ghirri.  The Complete Essays 1973-1991, MACK, p.110-111.

[6] T. S. Eliot, 2004 (1943), Quatro Quartetos, Lisboa, Relógio d'Água, p.11. [Introdução e tradução Gualter Cunha]

[7] Geoffrey Batchen, 2004, Forget Me Not: Photography & Remembrance, Van Gogh Museum, Princeton Architectural Press.

[8] "Art does not replace reality. Art does not comment on reality. Art is reality."

Miguel von Hafe Pérez, "Perpetual Transparency", in Francisco Laranjo Perpetual Transparency, Matosinhos, CMM, 2024, p.15.

[9] Esta ideia é expressa por Charles Harrison (1994): "What may be of sharpest critical interest regarding the legacy of the genre of landscape, both for the continuing practice of painting and in the continuing practice of painting, lies not in the intentional form of picturing by which it has been defined. It lies rather in the precedents that the genre provides for a continued engagement, in the context of the visible, with that which is contingently excluded from the possibility of being seen and represented."

Ibidem, p.14.